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Carta ao primo Jony

 

Caro primo:

A vida, por aqui, vai como de costume.
São Jorge continua, ali, em frente. A ponta do Topo destaca-se da Serra de S.ta Bárbara que uma neblina impertinente continua a encobrir, mesmo em meados de Julho.
De novo, só a chegada de muitos forasteiros e emigrantes. Uns passam por aqui, por esta Engrade de caminho asfaltado. Vão para o mar e desfrutam da natureza pura que Deus nos deu. Os outros que, como tu partiram ainda crianças, deliciam-se a pescar, a tomar banho de mar e, ao serão, no salão da Manhenha, jogam à sueca com um entusiasmo que só queria que tu visses!... As mulheres, jogando entre si, são as mais barulhentas!...
Lindo, lindo tem sido o nascer do Sol, por detrás da Terceira, iluminando o canal vazio de embarcações. Durante o dia, os navios ferries deslizam pela costa de São Jorge. Num ápice, escondem-se por entre as faias que nos vão escondendo a Vila da Calheta, a Ribeira Seca e a Fajã dos Vimes, ou perdem-se no horizonte rumo à Praia da Vitória.
Nada muito diferente de quando para aqui vínhamos passar o Verão.
Nessa altura, ao ouvirmos o ruído do motor de uma lancha da baleia, era uma festa. Corríamos para o balcão e, do muro alto, abanávamos e gritávamos com toalhas e lençóis – o que tínhamos à mão – até sermos correspondidos pelos marinheiros da lancha e dos botes. Quando a folia passava, voltava o silêncio e a rotina num lugar, longe de tudo, longe do mundo.
Ainda pequenino, lembro-me de passarem altivos pelo canal São Jorge - Pico, os paquetes de passageiros Satúrnia e  Vulcânia, navios transatlânticos que transportaram muitos açorianos e europeus, cheios de sonhos e de coragem, nas rotas da emigração para a América do Norte. Nesse tempo, a nossa emoção era contagiada pelo grande entusiasmo de minha mãe que fora também emigrante. Partiu ainda bebé e regressou, em 1932, com 18 anos, no paquete Sinaia da Companhia “Fabre Line”, que parava nos portos de Ponta Delgada e da Horta.

Provavelmente, a tua família que, mais tarde, enviou a teus pais carta de chamada, viajou também naquela conhecida companhia. E quantos milhares de italianos, nórdicos, espanhóis e gregos, passaram por aqui, rumo ao novo mundo, onde, a custo de muito suor e lágrimas, conseguiram amealhar muitas águias em ouro.
Muitos deles, homens ainda no dealbar da vida, voltaram à terra. Compraram casas e fazendas aos terra-tenentes caídos no infortúnio. Desenvolveram a economia das pequenas localidades onde grassava a miséria. Não nos podemos esquecer que a população de então era largamente superior aos 15 mil habitantes que hoje tem esta ilha.
É por isso que toda a gente diz por aqui que falta gente no Pico, que estanque o crescimento de faias e incensos, de canaviais e loureiros, de urzes e de tanta terra inculta.
A Ilha do Pico, tu sabe-lo bem, fica muito longe de tudo: do Faial, de São Jorge, da Terceira e muito mais de São Miguel, onde já se chega de avião, em 30 minutos.
Nem com um aeroporto maior mas pouco utilizado, nos sentimos integrados no mundo. Os Estados Unidos e o Canadá, onde estão muitos parentes nossos, ficam muito longe. A Europa e o continente, de quem recebemos rios de dinheiro, nem os conhecemos. E mesmo São Miguel está distante porque,  congregando gente de todas as ilhas, cresce enquanto ficamos para trás. Tem sido sempre assim e não sei como isto irá mudar. Pois não foste tu também e tua família enriquecer as terras da América?
Gostava de ver-te mais por aqui, nestas pedras negras que nos magoam e nos moldam. Há-de ser para o ano, se Deus quiser, e nos der vida e saúde.
Dá muitas saudades nossas aos teus.
Teu primo,

José Gabriel Ávila

 

 

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